quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Seu negro é lindo?

Eu tenho 21 anos agora. Hoje eu estou na faculdade.

Quando eu tinha uns 8, 9 anos, na turminha da escola, um grupo de amigos meus começou a discriminar uma menina porque, ao que parecia, a mãe dela tinha "raspado a cabeça pra santo". Tinham medo de ficar perto dela e pelas suas costas a chamavam de macumbeira, e riam com piadas - que hoje sei - que eram de extrema intolerância.

Quando pequena nunca me foi apresentada a ideia de colocar como errado algum tipo de crença, muito pelo contrário: minha família sempre foi bem misturada nesse sentido (católicos, kardecistas, umbandistas, evangélicos) e eu sempre cresci ouvindo ligações entre essas crenças, eu conhecia afinidades e discordâncias, mas nunca me disseram o que era errado. Eu sabia que todas falavam de amor e que amor era o que regia o universo, e que todo ato que não fosse de amor a mim e amor ao próximo era reprovável, e isso era algo que todas elas tinham em comum. Ainda que, apesar de tudo, eu sempre tenha tendido a doutrina espírita, por razões que não importam nesse texto.

Bem, quando meus amiguinhos começavam a falar dela, eu sempre procurava ficar calada, mas ainda assim o incomodo não seria possível de ser retirado. Eu também era assim, e ainda que não praticasse efetivamente, eu acreditava nas coisas das quais aqueles meus amigos estavam rindo e caçoando. Eu era aquilo. Eu também era riso. Eles riam de mim? Eu não dizia. Eu nunca disse. Eu nunca neguei, era trair a mim mesma, mas eu também nunca me posicionei como alguém que tinha qualquer afinidade com aquelas crenças, o que é um erro de dimensão igual. Eles falavam de Receber Santos, como uma ação horrorosa, e que ela podia fazer mal a qualquer um que se aproximasse dela, e ainda que eu acreditasse que não era assim, eu não fiz nada. Eu me calava e deixava que falassem. Eu tinha meus 9 anos.

Eu ainda vivo rodeada por amigos de crenças diversas - e de uma gama muito maior do que naquela época eu achava que existia. Hoje eu nao tenho nem um pouco de medo de me posicionar quanto a esses assuntos na frente deles, é claro! Além de estar muito mais esclarecida em muitas coisas e me reconhecendo muito melhor enquanto pessoa do que antes, a grande maioria desses amigos é espírita, umbandista e candomblecista. Um numero grande deles encontrou esse caminho com maior clareza depois que entrou para a universidade. 

Eu vejo muita gente orgulhosa e se mostrando ativa dentro dessas religiões, principalmente as de matiz africana, e isso é lindo! Precisamos disso! É muito bom quando a gente se encontra nesse campo, e principalmente, é maravilhoso não ter receio de gritar e bater mesmo no peito, por ser parte disso. Espalhar axé dessa forma, é maravilhoso!

Eu só queria muito lembrar que dentro dessa bolha de magia que é a aceitação e descoberta de muita coisa que a própria faculdade, e suas conexões dentro dela, suscita, ainda nao é assim que o mundo vê. Ainda é preciso lutar, ainda é preciso dar a cara a tapa, e essa cara não é tao simples de ser dada. O negro ainda nao é respeitado, o negro ainda é segregado, o negro ainda não é bem visto. E quando é bem visto, é visto demais, como um produto, uma categoria de venda. O turbante, o funk, a macumba, é lindo pra fashion week, pra baladinha, pra trabalho universitário... Mas não é bonito no cotidiano. Na rua. Na casa da família brasileira. 

E que essa de curtir e espalhar pra todo mundo que negro é lindo É SIM NECESSÁRIO mas não leva só na festa não, o papo aqui é sério! E que apropriar-se não é seu ato de caridade, é uma titica de nada nesse tanto de merda. 

Que enquanto você usa seu turbante na sala de aula, tem mina alisando o cabelo porque nunca beijou moleque nenhum, porque não parece com a Taylor Swift.
Que enquanto você ouve seu funk na festinha de sábado a noite, tem garoto de onze anos que deu sorte na vida, e tá ganhando dinheiro cantando sobre estourar o cabaço da gostosa do baile.
Que enquanto você vai pra sua gira, tem uma menina de 9 anos quieta porque os amiguinhos tão caçoando das crenças dela.

Eles seguem a vida assim.
Eles se entendem assim.
É certo pra eles, é ok. 
Eles não tão tristes, eles não tem esse sentimento de revolta que você pode ter quando os vê: eles não tem nem a chance disso.

Eu nao tô dizendo para não criticar, pelo amor, vamos problematizar, sim! Mas ANTES de pegar seu negro como projeto de estudo, antes de criticar uma escova progressiva, o sexo nas letras de funk, a amiga que se diz parda, moreninha... Aquele que esconde a guia, ou aquele que ri junto com o chefe branco quando ele BRINCA com um "nao vai me roubar nada hein, negão!"... 

Pensa que pode tá fácil pra você apontar tudo isso do seu lugar de privilégio. Mas pra eles não tá não, não tá nada fácil!

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