É num dia
que eu to ilhada em casa, que em outras circunstâncias me faria ficar muito
feliz, mas hoje bateu errado. Eu tinha uma vida programada que acabou por ser
destruída por causa de uma chuva torrencial, simples consequência de um calor infernal
(É, o verão já chegou. Já tá aí!). Eu devia estar adiantando meus trabalhos e
tantas outras coisas que eu reclamei de não ter tempo algum de fazer, mas justo
agora que eu arranjei um tempo extraordinário, eu não consigo parar de pensar
e, portanto eu preciso escrever.
É num país
que chamamos de tropical que não conseguimos lidar com a ideia de chuvas tão
fortes e tão repentinas. Quando você tem um calor que chega a 40 graus, não é
de se esperar que isso tenha reações posteriores. É uma questão de Ensino
Fundamental, básica, o que me faz pensar no quanto a gente tá precisando
aprender. É porque, bem no início da nossa educação a gente aprende como são
formadas essas tais nuvens de tempestades e a gente percebe que pela posição do
país de acordo com aquelas centenas de linhas que dividem todo o planeta terra
tem uma propensão a certos acontecimentos por aí. Não sejamos tolos, por favor.
Parabéns
pra vocês, queridos prefeito, governador, e todos os nossos lindos responsáveis
pelos projetos de saneamento básico, de infraestrutura de uma forma geral, do
Rio de Janeiro, que apostam na ignorância da população pra que acreditem na
ideia de que fomos pegos de supresa, de
que nunca estaremos preparados para
situações do tipo, de que não
tínhamos como prever o acontecido.
Mas isso
não é o pior do que passou pela minha cabeça. Eu tinha compromissos na Zona Sul.
Sim, eu tinha que sair da baixada fluminense, como faço sempre, e chegar até a
minha querida faculdade, em Botafogo, pra que eu ensaiasse uma peça, a qual
estreia sexta-feira (Prometeu, as 20h, Entrada Franca, Senhas distribuídas a
partir das 19h. Venham de branco, tragam sapatos confortáveis e 1kg de alimento
não perecível). Obviamente, eu não consegui colocar o pé pra fora de casa, e
quando consegui, não fui muito longe da minha própria cidade. Ou seja, da
cidade do Rio de Janeiro eu estou banida, por hoje. Liguei a TV e percebi que
não era a única e que não era só aqui. Toda a Baixada Fluminense estava em caos
e não só ela, a Zona Norte do Rio de Janeiro, o Centro, as principais vias
expressas do Rio e Grande Rio, tudo estava parado, molhado, inundado. Não existia
trem, não existia ônibus (botes, JetSki, quem sabe!).
O mais
surpreendente é que a Zona Sul pareceu não muito afetada. Justamente para onde
eu precisava ir, estava divina. Não posso dizer com toda a certeza, mas eu
procurei e nenhuma notícia de caos por lá. Estava divina, talvez um pouco
chateada por Copacabana não ser tão bonita debaixo de garoa, quanto é debaixo do
sol brilhante. Todos os meus companheiros de elenco (quase todos, na verdade)
moram por lá e, consequentemente, conseguiram chegar felizes, com o mínimo de
atraso pela chuva, até o local de ensaio. E eu (HAHAHA) estava bem longe disso.
Avisando
aos meus colegas do meu martírio, fui (e sempre sou, porque essa não é a
primeira vez que acontece) questionada da razão porque eu não passo alguns dias
na casa de uns amigos. Ou porque eu não
me mudo de vez pra lá. Resolvi então responder de uma forma muito educada.
Eu sei que
seria muito melhor pra mim, de certa forma. Eu sei que eu teria uma comodidade
absurda pra chegar à faculdade, eu sei que eu poderia pesquisar de forma muito
mais interessante. Sei que poderia sair de noite e voltar sem muitos problemas.
Sei que eu poderia assistir a peças maravilhosas quando eu quisesse. Sei que eu
dormiria mais. Sei que eu comeria melhor. Sei que eu teria rendido um tanto a
mais nesse final de ano. E é justamente por isso que eu não estou muito “afim”
de me mudar.
Eu não
quero essa facilidade porque eu nasci na baixada e eu nunca a tive. Não que
seja por uma questão de egoísmo, de estar pensando muito em mim, mas eu acho
que parte da minha vontade de fazer teatro é pensar nos outros. Eu sei o que eu
passei por tanto tempo enquanto eu não tinha ideia de que existia um mundo que
me acolheria do lado de lá. O quando eu tinha que me programar pra simplesmente
assistir a um espetáculo que me interessasse, porque ele passava as onze horas
da noite, na Gávea. Porque eu sei que como eu, existem centenas de jovens que
gostam e que querem estar inseridos em uma realidade que lhes foi tirada.
Eu tenho
muita sorte. Sorte de ter pais maravilhosos, de ter uma situação financeira que
me permite viver de uma forma relativamente tranquila e sorte de ter essa
vontade. Sorte de não terem me cegado pra uma realidade que é talvez não fosse
minha, no momento em que eu tinha um carro com gasolina, pra ir até o centro,
numa sexta feira e com o suficiente na carteira pra pagar um espetáculo num
lugar razoável. Sorte de perceber que pessoas importantes na minha vida não tem
a mesma sorte e que não merecem (sim, essa palavra: não merecem) ser tão prejudicadas.
É por isso
que eu não me mudo, pela mesma razão que eu faço teatro. Porque se eu quero
mudar alguma coisa, eu tenho que começar por aqui. Eu tenho que fazer teatro
aqui, comer teatro aqui, viver teatro aqui, na minha Duque de Caxias tão cheia
de problemas. É aqui que uma parte da população extremamente interessada fica a
mercê de projetos culturais ínfimos. Aqui onde podemos contar nos dedos de uma
só mão a quantidade de grupos que se envolvam ativamente em projetos teatrais e
aos quais, muitos deles, cedem completamente a essa “fantasia Zona Sul”. É aqui
onde, por não ganhar dinheiro, eu desisto de atuar, de dançar, de cantar,
tocar, jogar, e de fazer o que eu realmente gosto. É exatamente nesse espaço
que eu preciso trabalhar e é por isso que eu estou estudando. Não pra me
encaixar em algo de lá, mas pra mudar isso daqui.
É
absurdamente fácil seguir por certos caminhos que te trariam resultados de
formas menos complicadas. Mas, uma professora me perguntou uma vez quem me
disse que teatro era fácil! Essa sou eu. Eu sou meu lugar e se eu quero mudar a
mim, eu preciso, mais do que tudo, mudá-lo junto.
I'm laughing at clouds, so high up above. The sun's in my heart and I'm ready for love.
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